quarta-feira, janeiro 21, 2004

DESABAFO EU

Li um post do Ivar e verifiquei que ele não vai na letra do Pipianismo, corrente brejeira Filosófico-Literária. Nesse post de 27 de Dezembro, escreve-se algures «(…) o meu Pipi é uma merdita ao nível do Zé Cabra, ainda por cima tornou-se em mais uma produto comercial, a vender um embrulho sem nada dentro(…)» . Estou parcialmente de acordo, o Pipi está-se a tornar num produto comercial, mas não significa que tudo o que é comercial é mau. É justamente aqui que começamos a ser dissonantes, o Pipi é um embrulho e um produto. Um embrulho bastante mal cheiroso – ordinário – mas com muito conteúdo.
De alguma maneira sou um concessionário do Pipi, mas tento apenas alertar para o cuidado que se deve ter com as leituras na diagonal, e que muitas vezes levam a conclusões precipitadas, comparação do Pipi com o Zé Cabra é muito, muito forçada, diria mesmo que estão em pólo opostos. Pessoalmente, do Pipi apenas tiro o gozo sorrir frente ao monitor, fora isso à boa maneira Pipiana: “eu quero é que o Pipi se foda”.

Mais à frente vou utilizar depoimentos de especialistas porque por mais que tentasse, não conseguia construir uma boa definição do Pipi. Como tal, e para começar, nada como chegar lá por comparação. Eis por exemplo, dois versos da época Pré-Pipiana:

Chorai brochistas, chorai
Tenho o caralho arranhado
Tenho o caralho todo magoado
Isto assim não pode ser

Meti-me com uma daquelas
Que anda por aí aos serões
Por lhe ofender as goelas
Ela mordeu-me os colhões


Autor Anónimo, quem mo ensinou foi o Américo J.O.S.



E agora um fragmento Pipiano:

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, PARA QUE SERVE?
Descobri que o calendário com que ando a bater punhetas é de uma campanha contra a violência doméstica. Tem uma data de modelos em “nu artístico”. Chama-se “nu artístico” porque, depois de as ver, fico com ânsia criadora. Mormente, ao nível das colagens com papel higiénico.
Quer-me parecer que é algo contraproducente, pôr-se mulheres daquelas a fazer campanha contra a violência doméstica, quando são, precisamente, mulheres daquelas que estão na génese da violência doméstica. Um gebo chega a casa, olha para o trambolho que lá tem, compara com o calendário de gajas boas e só lhe apetece dar uma carga de porrada na mulher. Aí, ocorre a democratização da violência: primeiro espanca a esposa, depois espanca o macaco.
Se querem a minha opinião – e eu sei que sim – o facto de um homem e uma mulher partilharem uma casa configura imediatamente um caso de violência doméstica. Porquê? Porque haverá alturas em que, embora estejam debaixo do mesmo tecto, não estarão embrenhados no chavascal – nem em actividades relacionadas, como lavagens ou alongamentos. Isto significa que, muitas vezes, o gajo fica com o madeiro rígido e ela com o bordedo pingão, para nada. Isso, para mim, é violento.


Nota-se bem a diferença, não? Aproveito para aconselhar vivamente, “O Diário de Anne Trank” (para quem tem o livro porque o Pipi limpou o arquivo todo).



Bem, passo a palavra aos especialistas. Joana Gorjão Henriques da Pública – suplemento público – escreve um texto como os testemunhos dos “especialistas” e que na época levou-me a seleccionei alguns excertos os quais enviei por e-mail a alguns amigos para apresentar a “figura”. O interlúdio do texto é forte e cativante para atingir o alvo:
«Nasceu um novo herói português: chama-se Pipi, e foi criado na Blogosfera e acaba de passar a livro. Tem super poderes sexuais, é um falocentrista, o mais macho dos homens. Um libertino que parodia os medos masculinos, usa e abusa do vernáculo. E não, não é só para homens.»

E nesse texto vem as apreciações de que falava:
«Pedro Mexia, poeta, crítico, literário e autor do Blogue “Dicionário do Diabo” e do extinto “Coluna Infame” (e não é o Pipi), defende a figura “gera mais interesse por manter uma certa fachada biográfica”.”Se soubéssemos que era o senhor x, talvez perdesse algum encanto”.
Até porque, como diz Nuno Artur Silva, director das Produções Fictícias, o anonimato “o lado misterioso, é aqui uma peça fundamental: as ‘stars’ quanto mais inacessíveis mais poderosas são”.
Um perfil possível? Vasco Graça Moura, que publicou um desmentido de autoria em forma de poema no Blog “Abrupto”, arrisca: “Será um jovem entre os 20 e 30 anos, com uma experiência de utilização da língua portuguesa que indicia preparação universitária. E com uma insolência geracional que mostra que deve pertencer aquela faixa etária.”
Para Clara Ferreira Alves, directora da Casa Fernando Pessoa, que considera esta escrita “absolutamente notável”, o que lhe desperta a curiosidade sobre a autoria é o “grande domínio da língua portuguesa”:”quem escreve, escreve muitíssimo bem. Leu os clássicos. É alguém que escreve e que lê livros. Mas para matar o Pipi não há nada pior que o transformar numa ‘pop star’. É preciso que o autor aguente e que desapareça rapidamente, sem deixar traços. Porque é um tema finito, que se esgota.”»

«A primeira leitura pode ser um choque: eis uma catadupa de vernáculo, a intimidade masculina exposta de forma desbocada, delírios onanistas, mulheres coisificadas, homossexuais ridicularizados, relatos hardcore” de performances sexuais descritas com a crueza e a agressividade elevadas à máxima potência, poemas à Bocage, Sá de Miranda e Camões. António Lobo Antunes, José Saramago, Eduardo Prado Coelho, Anne Frank; revisionismos da História de Portugal, ensaios…Mas nada pode ser levado a sério: tudo parodiado.»

«Clara Ferreira Alves não tem dúvidas: “É para toda a gente: só (exclui) quem não tiver sentido de humor.” Também a escritora Inês Pedrosa acrescenta: “Dizer que é escrita para homens seria sexista. Não há escrita para homens: a escrita é boa ou má, aquela é definitivamente boa.”»

«Mas quando se fala do Pipi fala-se de humor. Nuno Artur Silva comenta: “Há contraste muito inteligente entre a brutalidade e a ordinarice, a recorrência sistemática ao palavrão e a sofisticação linguística e literária. Há um efeito de repetição das mesmas palavras, um imaginário obsessivamente repetido mas utilizado com grande destreza verbal e sintáctica.” A graça está ainda “numa espécie de ideologia do macho reactualizada de uma maneira muito inteligente, embora não o pareça à primeira leitura.”

«Para Vasco Graça Moura - que coloca esta escrita na continuidade de uma tradição que vai desde os cancioneiros medievais e passa por Bocage(“está espelhado na antologia de poesia erótica e satírica organizada por Natália Correia nos anos 60”)-o que há de novo neste exercício é “beneficiar de publicidade” e do facto de estar na net, ao alcance de todos.»

«Clara Ferreira Alves diz que estamos perante “uma nova forma de escrita” – “os blogues são imediatistas, pensamentos, monólogos, mas este vai buscar um vernáculo antigo e clássico, tem uma sintaxe óptima, sentido de humor”. É literatura?”Não sei muito bem o que é, mas é muito mais literatura.” Obscena?”É pornográfico, nem todo o obsceno é pornográfico mas este é. É extraordinariamente bem escrito, inteligente, culto – quem o escreveu pode não estar a fazer literatura, mas leu literatura.”»

«Já Pedro Mexia, que sublinha que a literatura obscena portuguesa tem sido satírica ou humorística (“a séria é quase sempre desastrosa”), não tem dúvidas de que se trata de literatura obscena:”Não é pornografia porque a pornografia é desleixada do ponto de vista artístico, é uma coisa utilitária. É literatura porque a elaboração e um fascínio pelas palavras e pelas palavras obscenas. Lembro-me que João César Monteiro que trabalhava o palavrão como um poeta trabalhava o verso. O Pipi interessa-se pelo sexo tanto como pela linguagem. É um delírio verbal, de temática sexual. É literatura obscena mas não só: é literatura satírica de”leit-motiv” sexual”.»

«Inês Pedrosa sublinha que, ao nível da pornografia, trata-se de “uma tentativa inédita de um trabalho sobre a linguagem e não sobre imagem”. E enquadra-a na tradição da poesia pícara com um lado infantil da língua portuguesa. Arrisca:”Se Fernando Assis Pacheco fosse vivo podia pensar que era uma brincadeira dele. Faz-me lembrar alguns poemas que ele distribuía nas redacções e por alguns amigos.»

«Vasco Graça Moura registou um fenómeno “interessante”: “Percorre uma vasta gama de calão. Considerava-me um conhecedor de calão e cheguei a conclusão que estava na instrução primária.” É literatura? “Em alguns aspectos pode ser considerado literatura. A exploração de um calão exaustivamente aplicado à temática tem algum interesse quer em termos literários, quer em termos de história da literatura.”



Fico por aqui.