domingo, dezembro 12, 2004

O ÚLTIMO CONGRESSO TROSKISTA

«O Partido Socialista Revolucionário (PSR) reúne-se a partir de hoje no seu XIV Congresso, na Aula Magna, para, tal como já estava anunciado, transformar o partido numa associação. Os trotskistas sentem-se bem no Bloco de Esquerda e por isso já não vêm utilidade em manter a estrutura partidária que surgiu da fusão das correntes trotskistas da LCI (Liga Comunista Internacionalista) com o PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores).

As razões para o fim do partido são explanadas nas próprias teses a este congresso: "Os partidos que deram origem ao Bloco de Esquerda mantiveram-se na sua forma legal anterior durante o tempo em que acharam determinante que assim continuasse a acontecer, e foi em função da sua própria reflexão que chegaram à conclusão que não tinha sentido manter um duplo protagonismo."

O Bloco de Esquerda surge, portanto, como o motivo do esvaziamento do PSR. "A decisão da formação do Bloco já implicava que, em algum momento, o PSR teria que se definir sobre se se continuava a considerar como o partido que representa a vanguarda revolucionária ou se, pelo contrário, valorizaria o seu esforço para a construção do Bloco como o melhor contributo que poderia dar para a formação de uma nova direcção socialista para a esquerda", lê-se nas teses.

Embora não sejam feitas referências às alterações operadas na lei dos partidos, a verdade é que a obrigatoriedade da candidatura a duas eleições consecutivas colocava os partidos que compõem o BE em cheque. A solução encontrada será também uma resposta à lei que está já em vigor. Desaparece um partido e "inicia-se uma nova etapa histórica", através de uma associação "herdeira da história e património do PSR", explica o mesmo documento.

Nascido em 1978

Para trás fica um partido que surgiu de uma fusão feita em 1978, com o intuito de criar - segundo o antigo dirigente do PSR e agora dirigente do BE, Francisco Louçã --"uma nova força" capaz de "ampliar a capacidade de convocação da esquerda".

Desde o início, o PSR optou por marcar a diferença relativamente à forma tradicional da actuação política. Exemplo disso foi a organização mais por causas do que por regiões. Os militantes trotskistas juntavam-se mais facilmente à volta de um assunto. Daí a criação do grupos de trabalho. "Calhava muito bem com a orientação do partido. Nos anos 80 a esquerda vivia uma situação muito desesperada, com as maiorias de direita de Cavaco Silva e nós tivemos de encontrar canais criativos que saíssem da política tradicional e permitissem uma ligação à sociedade", explica Francisco Louçã.

Uma das causas que o PSR tentou levar para o debate político foi a questão anti-militarista. Francisco Louçã lembra que essa foi a melhor forma que encontraram para marcar a diferença. "Na altura, estávamos perante um governo [de Cavaco Silva] de direita muito autoritário, e esse era um dos pontos onde facilmente se podia separar as águas." As iniciativas do movimento "Tropa não!" foram-se repetindo ao longo dos anos, sempre com a preocupação de surpreender os eleitores no seu dia-a-dia.

O militante Miguel Reis lembra-se ainda de uma iniciativa em 1997 na Rua Augusta, em que alguns militantes surgiram fardados de soldados distribuindo folhetos ao mesmo tempo que outros entravam em lojas colando autocolantes com dizeres do tipo "isto é sexista".

É nessas causas que Heitor de Sousa, um histórico do PSR que vem dos tempos dos Grupos de Acção Comunista (GAC), encontra os contributos positivos do partido. "Ajudou a criar o movimento feminista em Portugal, ajudou a fomentar o sentimento anti-militarista do 'Tropa Não!', para além dos movimentos homossexuais", diz.

À procura do deputado

Outra das características específicas do PSR foi a busca declarada por representação parlamentar. Por mais de uma vez ficaram a poucos votos de eleger um deputado. "O Parlamento era uma tribuna que era das mais ouvidas e através das propostas que fossem feitas era susceptível de mudar a vida das pessoas", explica Heitor de Sousa.

Havia ainda outro propósito: "A mudança de relação de forças na esquerda decorria de poder perceber-se que não havia só dois partidos à esquerda e dois partidos à direita. Era importante dar confiança aos eleitores." Mas o PSR nunca conseguiu eleger.
Francisco Louçã só conseguiu atingir esse objectivo do PSR com o Bloco de Esquerda, embora os trotskistas recusem a ideia de o novo partido ser um PSR melhorado. "É uma evolução que se insere na orientação estratégica do partido, mas isso tanto pode ser reclamado pelo PSR, como pela UDP ou pela Política XXI", afirma Heitor de Sousa.»
(Público)

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