sábado, abril 24, 2004

GUERRILHEIROS DAS PALAVRAS - VI

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Manuel Freire será para sempre recordado como o intérprete do famoso tema "Pedra Filosofal", inspirado no poema de António Gedeão.
Manuel Augusto Coentro de Pinho Freire nasce a 25 de Abril de 1942 (faz hoje 62 anos) em Vagos, Aveiro. Frequentou os cursos de Engenharia de Máquinas e Engenharia Química até se resolver a enveredar pela carreira musical. Em 1967, após ter prestado o serviço militar obrigatório na Força Aérea, estreia-se no Teatro António Pedro no Porto, pela mão de Fernando Gusmão. A partir daí, seguem-se actuações pelo país e pelo estrangeiro, nomeadamente em Paris (onde conhece Luís Cilia e José Mário Branco), Barcelona (com Paco Ibañez) e Roma.
No ano seguinte, edita o seu primeiro disco, que incluí temas como "Dedicatória", "Eles" ou "Livre". Começa, na mesma altura, a relacionar-se com homens como José Afonso ou Adriano Correia de Oliveira, com os quais tinha a empatia natural entre cantores de intervenção (como ele). Musica então poemas de José Saramago, Manuel Alegre ou António Gedeão, para citar apenas alguns nomes. Dessas colaborações, surgem canções como "O Sangue Não Dá Flor", "Lutaremos, Meu Amor" ou "Trova".
Em 1969, participa no popular programa de TV "Zip-Zap", de Carlos Cruz, Fialho Gouveia e Raul Solnado, e aí apresenta pela primeira vez "Pedra Filosofal" (inspirado no poema de António Gedeão), que é um sucesso instantâneo. No ano seguinte, o tema é editado e ganha os prémios Casa da Imprensa e Pozal Domingues.
Em 1971, edita um EP que inclui "Dulcineia" de José Gomes Ferreira, e "Canção" de Eduardo Olímpio. E, no ano seguinte, grava um single com uma canção do filme "Pedro Só", de Alfredo Tropa, com poema de Fernando Assis Pacheco e música de Manuel Jorge Veloso.
Em 1973, grava os temas "Menina Bexigosa" de Sidónio Muralha, e "Ouvindo Beethoven" de José Saramago.
Em 1978, regressa com o álbum "Devolta", em colaboração com Luís Cila. No mesmo ano, compõe os temas "Que Faço Aqui?" e "Um Dia", para a peça "Os Emigrantes" de Slawomir Mrozeh, encenada por João Lourenço para o Teatro Experimental do Porto.
Já em 1993, é editada uma colectânea do cantor, que inclui os seus maiores sucessos (como "Pedra Filosofal", "Pedro Só", "Dulcineia" ou "Fala Do Velho Do Restelo Ao Astronauta" ­ inspirado num texto de José Saramago).

PEDRA FILOSOFAL (António Gedeão)

Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.


Agradecimentos: cotonete

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